Home / SUPERAR / QUANDO O DESEJO QUEIMA — 8 Técnicas para Silenciar a Fissura pelo Álcool em 5 Minutos

QUANDO O DESEJO QUEIMA — 8 Técnicas para Silenciar a Fissura pelo Álcool em 5 Minutos

Às vezes, quem não viveu a dependência imagina que ela grita alto. Mas a verdade é: ela sussurra. Um vento seco que atravessa o corpo pela fresta da carne e promete alívio, promete esquecimento. A fissura — essa chama delicada e traiçoeira — surge quando menos esperamos, um convite oculto e insistente: “Basta um só gole”. Ou um só trago. Ou uma só dose.

Nesse instante, a alma estremece. O espírito lateja. E o corpo inteiro se move para ouvir, obedecer. Há quem desconsidere esse sopro, mas para quem já enfrentou a arte silenciosa da compulsão, sabe: não é fraqueza, é ferida que busca cura.

Estas linhas nascem para quem está exausto de se sentir refém do próprio impulso. Quem acorda às duas da manhã e implode em dúvidas. Quem tem medo da recaída, mas não sabe como vencê-la em minutos — nesses instantes, onde o tempo parece conspirar contra nós.

Aqui estão 8 técnicas delicadas e poderosas, para serem usadas nos cinco minutos cruciais. Elas não prometem milagre — mas acendem uma fresta de luz, um passo suave na direção da sobriedade, da autenticidade.

 

O TERRITÓRIO DO MOMENTO CRÍTICO

Antes de mergulhar nas técnicas, é essencial mapear o terreno:

  • Gatilhos emocionais: uma lembrança, uma tristeza, um som, uma paisagem. O hábito interno se inclina para o velho conforto.
  • A voz interior: “Você merece”, “só dessa vez”, “é só para acalmar”.
  • O corpo alerta: palpitações, suor frio, inquietude, tremor.
  • A urgência que seduz: “Agora ou nunca”. A fissura é exata no momento que pensamos fugir dela.

Se pudéssemos, transformaríamos para sempre o instante da crise. Mas não dependemos disso: podemos trazer práticas certeiras — quase poéticas — para suster o ímpeto, interromper o loop, criar espaço.

 

AS 8 TÉCNICAS PARA ATRAVESSAR A FISSURA EM 5 MINUTOS

Cada técnica é como uma pétala na mão — leve, precisa, imediata. Use uma ou mais — como puder — no momento da urgência.

 

  1. Respiração da pétala e do mar

Feche os olhos por um momento. Imagine uma pétala branca levitando à sua frente. Inspire contando lentamente até quatro, visualizando a pétala subindo. Segure por dois. Expire contando até seis, enquanto ela desce lentamente até você.

Repita por 1 minuto. Sinta o movimento: ela sobe com o suspiro, desce com o soltar. A fissura sobe conosco — permita que ela desça conosco também.

 

  • Nomeie o demônio

Se sentir o desejo, fale em voz baixa: “Este é o desejo de beber / drogar / ceder”. Nomear traz distância. É como distinguir uma onda — ela não é você, mas atravessa você. Ao verbalizar, fazemos um gesto de separação entre o Eu e o impulso.

 

  • Divisão do tempo

Imagine que o desejo dura 10 minutos como um trem forte. Mas você só precisa atravessar 5 minutos. Diga a si mesmo: “Vou esperar 5 minutos.” Atue nesses cinco como se fossem limítrofes — eles precisam acabar, mesmo que o desejo ainda persista. Quando o temporizador interno soa, reavalie: ainda quer? Se sim, espere mais 5. Muitas fissuras morrem de fome nesse intervalo.

 

  • Deslocamento sensorial

Toque algo que tenha textura: uma pedra, tecido macio, o tronco de uma árvore, a água fria no rosto. Leve atenção para o tato. O desejo habita a mente e o corpo — quando estendemos presença ao contato sensorial intenso, arrancamos raízes do impulso.

 

  • Festival interior

Pergunte silenciosamente: “Que parte de mim está clamando?” — Será a tristeza? O medo? O vazio? Convide essa parte para se expressar: escreva numa frase curta. Por exemplo: “É a criança assustada que quer alívio.” Dê espaço para o murmúrio interno. Muitas vezes, o impulso é uma mensagem brutal sem voz própria.

 

  • Cantiga silenciosa

Cante mentalmente (ou murmure muito baixo) uma canção que te eleva — algo com melodia leve, letra de esperança, que alimente o interior. A memória musical opera no plano profundo da alma; ela tem poder de redirecionar. Mesmo que interrompido, o eco da canção segue.

 

  • Visão futura

Imagine-se daqui a 10 minutos, 1 hora, amanhã. Visualize-se calmo, respirando, contente por não ter cedido. Sinta o alívio, o orgulho suave no peito. A fissura é uma promessa usurpada — volte sua vontade para a promessa verdadeira: sobriedade, serenidade, autenticidade.

 

  • Ancoragem de urgência

Tenha uma frase ou mantra que funcione como aríete e como ancoragem: “Este instante vai passar, e eu o atravesso.” Ou: “Sou mais forte que a vontade.” Repita mentalmente, firme, junto com a respiração. Mesmo que o desejo esmague por dentro, essa afirmação cria um ponto fixo.

 

A TEIA ENTRE AS TÉCNICAS

Essas 8 técnicas não são compartimentos estanques, mas fios de uma teia que você tece no momento da crise. Você pode combiná-las:

  • começar pela respiração (1),
  • nomear (2),
  • acionar o deslocamento sensorial (4)
  • e, enquanto sente o corpo, usar o mantra (8).
  •  

Se o desespero vier com força, retroceda: volte à respiração lenta e continue. Não há falha no processo. O impulso pode persistir, mas aos poucos é enfraquecido.

É como caminhar no deserto: não se vence a duna num passo só, mas passo a passo, grão por grão, a areia cede. O vício quer que desistamos de caminhar. Essas técnicas nos convidam a persistir, levando o corpo e a alma juntos.

 

METÁFORA PARA A NOITE DOS DESEJOS

Imagine o desejo como um lago negro, silencioso, que convoca o mergulho. Mas no fundo desse lago há um tronco firme, submerso, de madeira viva. Quando a sede cruel nos chama, podemos segurar esse tronco. A água escura nos envolve — mas nós nos agarramos. E esperamos que a noite passe, esperando o alvorecer.

Às vezes, queremos nadar no lago para apagar a sede. Mas, por ora, o mais sábio é aguardar agarrado ao tronco, emergido e respirando. O tronco é a constância interior — a identidade que persiste além da vontade de consumo.

A sobriedade se constrói no breve instante em que recusamos o mergulho. Um dia se torna muitos dias quando praticamos esse gesto simples, várias vezes por dia.

 

AS SOMBRAS JAMAIS VÃO EMBORA — E ESTÁ TUDO BEM

Mesmo após meses ou anos de sobriedade, o desejo pode aparecer. A dependência deixa um mapa de contornos, gatilhos ancestrais tatuados no corpo. Nietzsche sussurra que quem olha muito tempo para o abismo pode tornar-se abismo — mas também quem ousa olhar o desejo ganha densidade.

Não se trata de “vencer para sempre”, mas de persistir, caminhar. Kierkegaard sugere que a existência só se revela na escolha repetida — cada momento de não ceder é um ato de escolha. Viktor Frankl nos lembra que mesmo no sofrimento há sentido — ele pode ser transformado — e Winnicott, que o verdadeiro self aflora em terra segura, não no consumo compulsivo.

Não procure eliminar os fantasmas, mas tornar-se morada firme onde eles não tenham mais mando. A autenticidade floresce no terreno onde a vontade compulsiva já não reina absoluta.

E quando a recaída vier — porque pode vir — acolha-se. Não sermos perfeitos não significa sermos perdidos. Cada queda é milagre de aprendizado, se a vergonha for transformada em lição. Relevância não está em nunca cair, mas em continuar o percurso.

 

UM CONVITE SUSSURRADO À TRANSFORMAÇÃO

Talvez esses 8 gestos — aparentemente singelos — não pareçam suficientes frente ao ciclone da vontade. Mas lembre-se: a soberania interior se edifica em fragmentos mínimos. Cada vez que você aplica uma dessas técnicas num momento de fissura, você reafirma uma aliança com o ser autêntico dentro de si, não com o consumo.

Faça um pacto com sua alma: sempre que sentir o desejo ardendo, percorra essas técnicas. Com o tempo, a fissura se torna menos feroz. O impulso perde sua urgência. A sobriedade deixa de ser guerra e passa a ser presença.

Você não precisa caminhar sozinho. A interdependência é humana. Mas este artigo quer ser um aliado silencioso — um sopro de companheirismo no instante escuro. Que você descubra em si uma rocha interna mais forte do que o desejo e, no silêncio da sobriedade, a voz do seu ser mais profundo.

E que a vida, livre da urgência do vício, possa revelar — pouco a pouco — sua plenitude possível.

 

SOBRIEDADE COMO ALVORECER CONTÍNUO

A dependência não é condenação eternizada; é um enigma que pode ser resignificado. A sobriedade não é a ausência de desejo, mas a presença de sentido. A autent Icidade não floresce no silêncio dos impulsos interrompidos, mas no cultivo paciente da essência verdadeira.

Cada vez que você aplica uma respiração, uma nomeação, um toque sensorial, um canto interior, um mantra, você escreve outra linha na narrativa da sua liberdade. A fissura pode vir — mas você pode atravessá-la. A cada travessia, você se fortalece.

Que a sua vida seja poema e transformação. Que o fogo invisível se converta em luz clara. Que você reconheça, em cada gesto de não ceder, a potência infinita que habita em você.

Você merece sobriedade. Você merece autenticidade. E, sobretudo, você merece ser inteiro além do desejo.

 


Rafa Pessato

Especialista em Autoconhecimento e Comportamento

Rafapessato.eu