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Quando a FUGA se veste de HÁBITO e o VÍCIO é apenas a superfície de algo mais profundo.

Ninguém nasce dependente. Mas quase todos, em algum momento, experimentam a sensação de não caber no mundo.

De não ser suficiente. De sentir demais. Ou de não sentir mais nada.

É nesses intervalos da existência — entre o insuportável e o vazio — que a dependência aparece.

E ela não chega como castigo. Chega como resposta.

Sim, porque a dependência, antes de ser um problema, é um sintoma. Um pedido de socorro que o inconsciente grita quando a realidade se torna dura demais para ser suportada de forma crua.

Na superfície, parece só um hábito. Um copo a mais. Uma rolagem infinita de tela. Uma compra por impulso. Uma mentira que se repete.

Mas por baixo disso tudo, há um buraco. Uma dor evitada. Um pedaço de si que foi abandonado e agora clama por anestesia.

A pergunta real nunca é “Por que você não consegue parar?”,

mas sim: “O que você está tentando não sentir?”

 

A DEPENDÊNCIA COMO ESCONDERIJO PSÍQUICO

Na psicanálise, um sintoma é uma forma disfarçada de desejo. Algo que não pôde ser expresso diretamente — então retorna pela lateral.

Você não podia chorar, então bebe.

Não podia gritar, então fuma.

Não podia se sentir fraco, então se entope de produtividade.

Não podia ser você, então se escondeu atrás da performance.

O vício, nesse sentido, não é falta de força de vontade. É excesso de censura interna. É o resultado de um eu que, para continuar pertencendo, precisou se amputar.

A filosofia existencial dá nome a isso: má-fé — conceito de Sartre que fala da autoilusão deliberada. A tentativa de não saber o que se sabe. De viver como se fosse livre, mesmo estando algemado pelas próprias fugas.

Toda dependência é uma forma de má-fé. Você diz que quer parar, mas algo em você se recusa. Por quê? Porque parar implicaria em encarar aquilo que o vício ajudava a esconder.

 

O QUE, EXATAMENTE, VOCÊ NÃO QUER OLHAR?

Talvez você esteja tentando disfarçar a solidão. Ou o tédio insuportável de uma vida que você não escolheu. Ou a vergonha de não ter dado certo. Ou a sensação de inadequação crônica que vem desde a infância.

Talvez sua dependência seja o disfarce de um luto que nunca pôde ser vivido. De uma sexualidade reprimida. De um trauma que ninguém levou a sério. De uma raiva que você não podia sentir.

O que você está tentando esconder com a dependência?

Porque o que se esconde, manda.

E o que é disfarçado, continua operando no escuro.

 

O HÁBITO É SÓ A SUPERFÍCIE

O erro está em tratar a dependência como se ela fosse apenas “o que você faz”. O vício não é o ato — é o motivo não dito por trás dele.

É como se a sua psique, incapaz de suportar o desamparo, tivesse criado um substituto.

Um ritual. Um desvio. Um pequeno alívio. No começo, funciona.

Mas logo a substância, a relação, o comportamento — o que quer que seja — deixa de ser um escape e vira um cativeiro.

 

A substância que você usava para esquecer a dor começa a se tornar a nova dor. E mesmo assim, algo em você insiste.

Por que não larga?

Porque ainda parece menos arriscado sofrer por dependência do que encarar o que ela vem cobrindo.

 

A CORAGEM DE SABER O QUE SE SABE

Despertar, nesse caso, é um movimento brutal e necessário. É quando você finalmente pergunta: o que em mim precisa tanto fugir da realidade? E mais: de que realidade?

Esse tipo de pergunta não se responde com frases prontas. Mas com silêncios escutados. Com histórias revisitadas. Com memórias que você tentou enterrar, mas que continuam assombrando seu agora.

É doloroso. Mas é libertador.

Porque só quando você começa a ver a dependência como mensagem — e não como inimiga — é que algo começa a se transformar.

Você para de guerrear contra si.

E começa a fazer as pazes com as partes que estavam escondidas.

 

NEM SEMPRE É BONITO

Despertar não é um processo linear, nem instagramável. Muitas vezes, ele começa no chão. Na vergonha. No susto de se perceber refém de algo. Mas há dignidade em cair de si e se levantar em verdade.

Despertar é perceber que a dependência não era fraqueza — era linguagem. Era o jeito que você encontrou, lá atrás, de sobreviver a um mundo que te engoliu.

Mas agora você já não precisa mais se esconder. Não precisa mais disfarçar. Não precisa mais se dopar para ser aceitável.

Você pode ser. E isso é o começo da liberdade.

 

O VÍCIO COMO PARTE DA TRAVESSIA, NÃO COMO IDENTIDADE

Você não é só sua dependência. Ela faz parte da sua história, mas não é seu nome. Seu nome é quem você escolhe ser a partir do momento em que para de fugir.

A dependência, quando olhada de frente, vira uma ponte. Um caminho de volta para si.

Mas só quando você tem coragem de perguntar:

“O que, afinal, eu estava tentando esconder?”

Porque às vezes, o despertar não vem com luz — mas com a queda de uma máscara. E é nesse exato momento, quando tudo desmorona, que você percebe:

O que você chamava de vício era, na verdade, um pedido de escuta. De acolhimento. De verdade.

Você estava tentando esconder sua dor.

Mas ela é sua. E, agora, pode ser também sua cura.

 

 


Rafa Pessato

Especialista em Autoconhecimento e Comportamento

rafapessato.eu